AGU elabora proposta para reforma do processo tributário
Por: Beatriz Olivon e Jéssica Sant'Ana
Fonte: Valor Econômico
Um anteprojeto de reforma processual tributária deverá ser encaminhado
ao Congresso Nacional em pouco menos de 40 dias. O texto será elaborado
pelo grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que
se reúne pela primeira vez esta semana e terá nas mãos, como ponto de partida,
uma proposta capitaneada pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Tributaristas consideram necessária a medida para manutenção do acesso à
Justiça de contribuintes que necessitem solucionar questões relacionadas às
mudanças promovidas no sistema tributário nacional. O objetivo, afirmam, é
garantir a eficiência e a segurança jurídica prometidas na época da tramitação
da reforma, que criou a Contribuição (CBS, de competência federal) e o
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, dos Estados e municípios), em
substituição ao PIS, Cofins, IOF-Seguro, ICMS e ISS.
A primeira reunião do grupo está prevista para quinta-feira e seus integrantes
poderão ou não adotar as sugestões do governo federal. A proposta da AGU é
da criação de uma espécie de foro nacional tributário, com competência para
julgar conjuntamente os dois tributos em todo o país, atuando em primeira e
segunda instâncias.
A ideia é que o CNJ abra um processo seletivo para selecionar os juízes federais
e estaduais interessados, que atuariam exclusivamente no julgamento dos
processos envolvendo a CBS e o IBS. Não há previsão de realização de
concurso público nem de criar uma esfera tributária.
Assim, ao invés de atuar com todas as áreas do direito, como é praxe, os juízes
selecionados seriam especializados na reforma do consumo. Isso já acontece
em alguns Estados com varas e turmas de segunda instâncias especializadas em
direito empresarial, recuperação judicial e falência. Mas não há unificação entre
juízes federais e estaduais em uma vara nacional do assunto.
Sobre o local em que a ação deverá ser proposta, problema que preocupa
tributaristas, a ideia proposta pela AGU é de que o foto competente seja o do
Estado onde está a sede da empresa, e não o da localidade onde o tributo é
pago.
Segundo Leonardo Alvim, procurador da Fazenda Nacional e um dos
representantes da AGU no grupo de trabalho criado pelo CNJ, pelas regras
atuais, ações tributárias teriam que ser propostas onde o serviço é prestado ou
o bem é vendido, o que é hoje um complicador para os grandes contribuintes.
A sugestão, diz, é concentrar os pedidos no domicílio das empresas, já que a
tributação, como aprovada pela reforma, será no destino.
“A tributação no destino, quando são feitas operações com bens e serviços no
país inteiro, obrigaria o contribuinte a demandar fora do seu domicílio, o que é
um problema enorme para os grandes”, afirma Alvim. O foro nacional,
acrescenta, resolveria tanto o problema de decisões divergentes quanto do local
onde as ações devem ser propostas. “Seria um foro com competência para os
dois tributos e que abrangeria o território todo”, completa o procurador,
reiterando que o novo grupo tem independência para adotar outras soluções.
A ideia da AGU ainda pode enfrentar resistência, segundo alguns interlocutores
ouvidos pelo Valor. A resistência estaria na criação de um foro nacional, cujo
funcionamento ainda não estaria muito claro.
O local onde as ações são propostas e a quem caberá julgá-las (Justiça Estadual
ou Federal) serão pontos centrais da proposta, de acordo com tributaristas
ouvidos pelo Valor. “É o mesmo tributo, só muda quem vai arrecadar”, explica
a advogada Priscilla Faricelli, sócia do Demarest Advogados, sobre a CBS e o
IBS, que terão regimentos idênticos.
Iniciativa do CNJ de criar um grupo amplo demonstra que há preocupação com
o contencioso judicial”
— Bernard Appy
Hoje, a Justiça Estadual julga processos sobre ISS e ICMS, que são cobrados
por municípios e Estados e possuem legislação específica. Já as demandas sobre
tributos federais são analisadas pela Justiça Federal. Esse cenário vai mudar com
a implementação da CBS e do IBS, que têm os mesmos princípios.
Caso não haja reforma processual tributária, alertam os especialistas, decisões
divergentes entre as esferas estadual e federal sobre IBS e CBS poderão trazer
problemas porque, se o contribuinte faz uma operação, ele gera a base de
cobrança dos dois tributos. Além disso, acrescentam, divergências entre
decisões de tribunais, no caso dos federais, manteriam a atual insegurança
jurídica. Hoje, os casos são levados a instâncias superiores para o “desempate”,
perpetuando as discussões por mais tempo.
Secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda,
Bernard Appy considera “muito louvável” a iniciativa do CNJ de criar um grupo
amplo para debater a reforma do processo tributário, com representantes da
magistratura de várias instâncias. “Essa iniciativa demonstra que há essa
preocupação com o contencioso judicial, para que a solução gere o máximo de
segurança jurídica e maior eficiência [para o novo sistema tributário].”
Appy conta que essa preocupação com o contencioso judicial que pode ser
gerado com a reforma do consumo foi identificada pelo governo desde 2023.
“Essa preocupação decorre de vários fatores, principalmente das limitações que
existem hoje para ajuizamento de ações judiciais, porque hoje você tem que ir
até o Estado fazer o ajuizamento. Com a mudança do princípio para o destino,
há essa preocupação grande com a harmonização da jurisprudência da CBS e
do IBS e também com timing do julgamento, porque às vezes o contribuinte
pode entrar com duas ações [uma pra CBS e outra pro IBS], e uma delas andar
mais rápida que a outra”, afirma Appy.
O secretário avalia que o ideal é que a proposta de reforma seja aprovada o
“mais cedo possível”, mas que o prazo máximo é até o início da cobrança do
IBS, a partir de 2029. “O problema se torna mais grave a partir de 2029, [quando
começa a cobrança do IBS], então é importante que haja essa mudança no
processo judicial de forma a evitar esses problemas processuais”, diz Appy.
Alvim acredita que será possível aprovar a PEC até 2026, já que ela será
construída de maneira consensual com o Poder Judiciário. “Será a maior
reforma processual de direito tributário do Brasil, se for aprovada", diz o
procurador da Fazenda Nacional.
Segundo Priscila Faricelli, a reforma do contencioso tributário já resolve
“grande parte dos problemas”. Para a advogada, o assunto deveria ter tramitado
junto com a reforma, para não haver o risco de ela entrar em funcionamento
sem esses ajustes. Mas a advogada acredita que há tempo suficiente para a
aprovação da emenda constitucional antes das primeiras autuações.
A reforma processual, de acordo com Alberto Medeiros, sócio da área tributária
do Carneiros Advogados, é tão fundamental quanto a tributária. “Por um lado,
na apuração dos tributos há uma simplificação, mas no contencioso, que é um
grande problema brasileiro, vai haver um cenário de agravamento se não for
adaptado”, afirma.